Efeito zero
Pacientes que fazem uso da cloroquina há anos não são imunes à Covid
Apesar de ter ganhado fama durante a pandemia, a cloroquina é uma droga utilizada na medicina há quase 100 anos. Criada originalmente como um tratamento contra a malária, algumas pesquisas realizadas a partir das décadas de 1930 e 40 indicaram que ela também possui uma capacidade de modular o sistema imunológico.
Durante os últimos 70 anos, ela se tornou uma das drogas mais prescritas na reumatologia, área da medicina voltada às doenças que atingem articulações, ossos, músculos, tendões e ligamentos.
Os especialistas costumam indicar o uso crônico desses comprimidos para pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide, duas doenças em que o sistema imunológico ataca áreas do próprio corpo, como as articulações, a pele e os rins.
“Quando começamos a ver as primeiras notícias de que a cloroquina estava sendo testada para conter a pandemia, lá em março de 2020, ficamos muito intrigados. Afinal, nossa experiência nos mostra que o medicamento precisa ser usado por três meses para dar efeito. Então como é que ele funcionaria tão rápido na Covid-19, em questão de cinco dias?”, questiona o reumatologista Marcelo Pinheiro, da Universidade Federal de São Paulo.
Foi para sanar essa e outras curiosidades que Pinheiro coordenou um estudo que contou com a participação voluntária de cerca de 400 estudantes de medicina e quase 10 mil voluntários espalhados por 20 centros do Brasil.
O objetivo do trabalho era conferir se os pacientes com doenças reumatológicas que tomavam a cloroquina há mais de cinco anos possuíam algum tipo de proteção contra a infecção pelo novo coronavírus ou se o quadro seria mais leve e sem maiores complicações neles.
A conclusão do trabalho vai na linha de outras pesquisas que foram feitas nos últimos meses: o uso da cloroquina não mudou em nada o risco de ter a Covid-19 ou desenvolver as formas mais graves, com necessidade de internação ou intubação.
Passo a passo
O trabalho do time de especialistas começou no finalzinho de março, com a inclusão dos voluntários. No dia 17 de maio, essa etapa foi finalizada com a confirmação de que 9.589 pessoas fariam parte da experiência.
Desses, 5.166 indivíduos tinham lúpus, artrite reumatoide ou outras enfermidades reumatológicas e faziam uso da cloroquina todos os dias há vários anos.
Os 4.423 restantes não tinham qualquer doença do tipo e eram familiares ou amigos dos pacientes que moravam na mesma casa. “Selecionamos esse grupo de controle porque eles dividem uma mesma rotina e estão expostos a um risco parecido de se infectar com o coronavírus”, justifica Pinheiro.
Os milhares de participantes estavam espalhados por 97 cidades brasileiras e eram atendidos em 20 centros especializados em reumatologia.
Para acompanhar tanta gente, Pinheiro montou uma verdadeira força-tarefa. “Tivemos o apoio da Sociedade Brasileira de Reumatologia, da qual faço parte, e contamos com o trabalho de 395 estudantes de medicina”, conta.
Essa equipe ficou responsável por ligar para todos os voluntários a cada 15 dias. A proposta era saber como estava a saúde deles, se eles tinham adoecido ou apresentavam algum sintoma sugestivo de Covid-19.
“Além dessa monitorização, também montamos um call center, em que o paciente poderia telefonar caso estivesse se sentindo mal nesse meio tempo das duas semanas”, completa o reumatologista.
Após a coleta dos dados e a análise estatística, os cientistas puderam comparar os dois grupos em relação à maior probabilidade de desenvolver Covid-19: pacientes com doenças reumatológicas que usavam cloroquina versus indivíduos sem essas enfermidades que moravam na mesma residência.
A conclusão do trabalho foi a de que não houve diferença alguma entre as duas turmas. “A cloroquina não protegeu e nem evitou formas graves, que exigem intubação”, resume Pinheiro.
Perguntas sem respostas
Apesar de trazer uma série de novidades, a pesquisa brasileira também apresenta limitações. Para começo de conversa, ela apenas foi apresentada num congresso e ainda precisa ser revisada por cientistas independentes antes da publicação num periódico.
“Nós já enviamos o trabalho para algumas revistas especializadas e estamos esperando a resposta”, diz Pinheiro.
Outro ponto que merece destaque: o estudo não fez exames para verificar se todos os pacientes que relataram sintomas realmente tiveram Covid-19. “Nós usamos os critérios clínicos estabelecidos pelo Ministério da Saúde, pois naquele momento da pandemia os recursos eram escassos e a orientação era fazer testes somente nos quadros mais graves”, explica o reumatologista.
Portanto, é possível que uma parcela dos voluntários tenha se infectado com outras doenças respiratórias, como a gripe ou o resfriado. Mas, como a circulação do Sars-CoV-2 estava (e está) muito intensa no país, é bastante provável que a maioria deles tenha sido acometido pela Covid-19 mesmo.
Cloroquina nas doenças reumatológicas
Esse remédio costuma ser usado frequentemente nos casos de lúpus eritematoso sistêmico e, mais ocasionalmente, na artrite reumatoide. “Ele tem um papel razoável de imunomodulador, ou seja, controla o processo inflamatório ocasionado pelo sistema imunológico e alivia incômodos como inchaço e dor”, explica o reumatologista Rubens Bonfiglioli, professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
No contexto dessas doenças, a cloroquina é extremamente segura e não provoca grandes efeitos colaterais. Ela é prescrita, inclusive, para mulheres grávidas ou na fase de amamentação.
Seu evento adverso mais preocupante ocorre na visão, pois o acúmulo do fármaco no organismo ao longo do tempo pode afetar algumas estruturas dos globos oculares. “Para evitar isso, basta fazer uma consulta por ano com um oftalmologista”, esclarece Bonfiglioli, que também é o presidente do Congresso Brasileiro de Reumatologia deste ano.
O médico tem certeza que a promoção da cloroquina contra a Covid-19 afetou os pacientes que realmente precisavam dela.
“Antes, a medicação era obtida com facilidade e a um preço bastante acessível. Com a pandemia e toda a propaganda nacional e internacional que foi feita, ela começou a desaparecer ou ter um preço exorbitante nas farmácias. Nossos pacientes sofreram com isso”, relata.
Cloroquina e Covid-19
“Só no futuro a gente vai conseguir entender realmente o que aconteceu nessa história”, analisa o infectologista Alexandre Zavascki, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Em resumo, tudo começou no início da pandemia, quando os cientistas avaliaram se existia alguma droga já disponível no mercado que conseguisse inibir o Sars-CoV-2. Nos experimentos em laboratório, com culturas de células, a cloroquina mostrou essa capacidade.
“Logo na sequência, um grupo de especialistas franceses liderados pelo médico Didier Raoult publicou um estudo com 36 pacientes sugerindo que esse remédio poderia ser efetivo na Covid-19. O trabalho, porém, apresentava uma série de falhas metodológicas e gerou estranhamento na comunidade acadêmica”, lembra Zavascki.
Essas informações serviram de gatilho para que líderes mundiais, como o americano Donald Trump e o brasileiro Jair Bolsonaro, passassem a divulgar a cloroquina como a solução para acabar com a pandemia.
No final de outubro, o presidente Bolsonaro chegou a afirmar a alguns apoiadores na frente do Palácio do Planalto que “no Brasil, tomando a cloroquina no início dos sintomas, há 100% de cura”.
A ciência, no entanto, não corrobora essas alegações. “Já temos vários estudos mostrando claramente uma ausência de benefício da cloroquina no contexto da Covid-19. A evidência contrária ao seu uso é particularmente forte nos casos mais graves”, afirma Zavascki.
Mesmo nos quadros leves, onde alguns defensores falam em “tratamento precoce”, o poder de fogo da cloroquina é muito questionável. “Em primeiro lugar, é extremamente difícil definir o que seria um tratamento precoce, uma vez que o Brasil não tem nem estrutura para fazer o diagnóstico com rapidez. Há uma demora para o desenvolvimento de sintomas e uma espera para obter o resultado dos exames”, destaca o infectologista.
O segundo ponto é que, nos pacientes que desenvolvem a forma mais branda da Covid-19, a enfermidade costuma evoluir bem, sem a necessidade de medicamentos específicos. Portanto, se um indivíduo infectado com um quadro leve tomar ou não a cloroquina, na maioria das vezes o resultado final será o mesmo.
Zavascki percebe que, nos últimos meses, a popularidade da cloroquina vem caindo nas consultas. “Era comum casos de pessoas que vinham até nós e exigiam o tratamento com cloroquina, o que era uma situação bastante delicada. Mais recentemente, essa demanda diminuiu bastante”, observa.
Atualizado em 20/11/2020 – 10:04.
Cada gota faz a diferença
Novembro Roxo alerta para a importância do leite materno na prematuridade
A campanha Novembro Roxo conscientiza a população acerca dos desafios dos nascimentos prematuros em todo o mundo. A campanha tem a finalidade de alertar sobre o crescente número de partos prematuros, como preveni-los e informar a respeito das consequências do nascimento antecipado tanto para o bebê, família, sociedade e também para a equipe de saúde.
O roxo simboliza sensibilidade e individualidade, características que são muito peculiares aos bebês prematuros. Além disso, a cor também significa transmutação e mudança. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é considerado bebê prematuro aquele que nasce antes das 37 semanas de gestação. Subdivide-se a classificação em prematuros extremos, os que vieram ao mundo antes das 28 semanas e correm mais risco de vida.
Referência no atendimento a gestantes de alto risco da região de saúde sul e entorno sul do Distrito Federal, o Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) acaba realizando um número elevado de partos prematuros devido à complexidade do serviço. Atualmente, o HRSM possui 20 leitos na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), 15 leitos na Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal (UCIN) e mais 51 leitos na Maternidade, sendo dez deles destinados às gestantes de alto risco, além de contar com um Banco de Leite Humano (BLH) e uma equipe multidisciplinar para prestar toda a assistência a este bebê prematuro e sua família desde seu nascimento.
Essencial para o desenvolvimento da criança, o leite materno é um aliado importantíssimo para a vida dos recém-nascidos, principalmente os prematuros, tendo em vista que em alguns casos, eles ainda não podem ter contato com a mãe para mamar.
“Cada gota consumida faz a diferença na vida deste bebezinho prematuro. Por isso, todos os dias passamos visitando e conversando com as mães, perguntando como elas estão, se elas têm conseguido tirar o leite. Nesse processo, bem informal, é possível identificar aquelas mães que apresentam dificuldade e prestamos um auxílio”, afirma a chefe do serviço de Banco de Leite Humano do HRSM, Maria Helena Santos Faria.
Segundo ela, as doações são essenciais, pois a prioridade são os bebês prematuros. “Temos uma média de 600 bebês receptores de leite humano por mês, sendo diariamente cerca de 35 bebês alimentados com nossos estoques”, explica. Em outubro, o BLH do HRSM conseguiu coletar um total de 206,19 litros de leite, ficando atrás do mês de setembro, quando foram arrecadados 214,28 litros. As doações são sempre necessárias.
Toda mãe que amamenta seu filho é uma potencial doadora e pode ajudar centenas de bebês. Quem tiver interesse, basta procurar o Banco de Leite Humano do HRSM ou se preferir, se inscrever pelo site do Amamenta Brasília, ou fazer o cadastro no telefone 160 – opção 4.
Atualizado em 21/11/2024 – 10:56.
Câncer de próstata
Exame de toque retal não pode ser substituído por PSA, diz patologista
A medição da concentração do antígeno prostático específico total (PSA), do inglês Prostate Specific Antigen, é mais um aliado na saúde masculina, mas não substitui o exame digital retal, que continua sendo o mais importante recurso adotado pelos médicos urologistas para o diagnóstico do câncer de próstata, mesma nas fases mais precoces da doença.
O médico patologista clínico e professor titular de Clínica Médica e Medicina Laboratorial da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC/ML), Dr. Adagmar Andriolo, esclarece que exames laboratoriais, como a medida do PSA total, com os cálculos da relação PSA livre sobre Total e do PHI (do inglês Prostate Health Index) e outros marcadores, devem ser entendidos como recursos complementares.
“Em relação ao exame digital e a medida do PSA, um não exclui o outro, portanto, os dois recursos devem ser realizados inicialmente, até mesmo para detectar, precocemente, a presença de câncer. Diante de uma suspeita clínica obtida pela história e/ou pelo exame digital e/ou pelo valor de PSA elevado, são realizados os exames de imagem, como a ressonância magnética e, somente, por fim, o de anatomia patológica ( biópsia), que auxilia na confirmação ou exclusão do diagnóstico”, explica.
Para a suspeita e posterior diagnóstico do câncer da próstata, vários aspectos devem ser considerados e, por essa razão, a consulta com o urologista se faz muito necessária. Dentre esses aspectos, ressaltam-se a idade do paciente, seu histórico pessoal e familiar, características anatômicas da glândula, dentre outros.
“Indivíduos com mais de 50 anos de idade possuem maior risco de desenvolverem esse tipo de câncer, assim como aqueles com história familiar na qual parentes de primeiro grau tenham tido câncer de próstata antes dos 50 anos (ainda que, do ponto de vista legal, parentes de primeiro grau sejam apenas pais e filhos, para essa avaliação, devem ser incluídos irmãos e tios paternos). Para esses indivíduos, está indicada uma avaliação mais precoce (antes dos 50 anos), que inclui, ao menos, o exame digital (toque) e medida do PSA total. Entendemos que há resistência das pessoas e muitos preferem fazer apenas o PSA, mas essa não é a recomendação médica, uma vez que, como em todos os exames laboratoriais, existe a possibilidade de resultados falso positivos e falso negativos”, detalha o professor Adagmar Andriolo.
Diante de evidências de tumor, o exame digital retal também é usado para direcionar a biópsia, caso necessário, com a finalidade de reduzir o risco de resultado falso negativo. O médico lembra que o exame de próstata não precisa, obrigatoriamente, ser anual, podendo ser realizado mais espaçadamente, a critério do urologista, baseado no risco individual.
“A idade de 50 anos para o primeiro exame digital retal e eventual medida da concentração do PSA é apenas para pessoas sem parentes próximos com câncer. Se a pessoa teve um irmão que apresentou o tumor antes dos 45 anos, o ideal é que ele comece a investigar também nessa mesma idade ou até um pouco antes. A mesma conduta deve ser aplicada ao indivíduos afrodescendentes, nos quais a ocorrência deste tipo de câncer é maior e , em geral, mais precoce” diz.
Alguns anos atrás, discutiu-se muito a validade da realização do exame de PSA como triagem populacional, chegando a ser contraindicado por entidades científicas internacionais. “Essa decisão se baseou no fato de que muitos pacientes eram encaminhados para realizar biópsia a partir de níveis alterados de PSA e os resultados eram negativo. para a presença de câncer. A supressão total de medida do PSA, no entanto, fez com que um grande número de pacientes fosse diagnosticado apenas em fases mais avançadas da doença, quando o tratamento é menos efetivo. A partir dessa constatação, as recomendações foram revistas e, no momento, o exame de PSA deve ser solicitado após avaliação adequada do risco do indivíduo e conscientização a respeito de suas limitações. Diante de alteração, faz-se exame de imagem e a biópsia é o último recurso na maioria dos casos”, explica Dr. Andriolo.
Sobre a SBPC/ML
A Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML) é uma associação de direito privado para fins não econômicos, fundada em 31 de Maio de 1944. Tem como finalidade congregar médicos, portadores do Título de Especialista em Patologia Clínica/Medicina Laboratorial e de outras especialidades, regularmente inscritos nos seus respectivos Conselhos Regionais de Medicina, e pessoas físicas e jurídicas que, direta ou indiretamente, estejam ligados à Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, e estimular sempre o engrandecimento da especialidade dentro dos padrões ético-científicos.
Entre associados estão médicos patologistas clínicos e de outras especialidades (como farmacêuticos-bioquímicos, biomédicos, biólogos, técnicos e outros profissionais de laboratórios clínicos, estudantes de nível universitário e nível médio). Também podem se associar laboratórios clínicos e empresas fabricantes e distribuidoras de equipamentos, produtos e serviços para laboratórios. Ao longo das últimas décadas a SBPC/ML tem promovido o aperfeiçoamento científico em Medicina Laboratorial, buscando a melhoria contínua dos processos, evolução da ciência, tecnologia e da regulação do setor, com o objetivo principal de qualificar de forma permanente a assistência à saúde do brasileiro.
A SBPC/ML completou 80 anos em 2024. Além de fomentar o desenvolvimento contínuo da ciência, tecnologia e regulação no setor, a SBPC/ML lançou seu novo portal de notícias para aprimorar a comunicação com associados e a população, e está atualizando regularmente o Lab Tests Online, plataforma que oferece informações sobre exames laboratoriais, visando qualificar a assistência à saúde.
Atualizado em 20/11/2024 – 14:46.
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